Recentemente, fiz a seguinte postagem nas minhas redes sociais: “E os gestores municipais continuam a contrariar a lei. Enfim…”. Um meta-amigo, bastante observador, veio com a pergunta que dá título a este artigo. A resposta foi um grande e sonoro SIM!
Mas o que diz o tal do artigo 37 da Constituição Federal? Vamos lá:
“Art. 37- A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
Bom, dentre os muitos “seguintes”, um, de forma especial, motivou a minha postagem. Trata-se do §1º, que tem a seguinte redação:
“§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”
E não é só aí, mas para além daí, que o bicho pega.
A visão dos diversos lados do balcão
Já atendi, nos meus 37 anos de formado em Jornalismo – junte-se a isso os 20 anos da minha empresa, a Fator Consultoria –, umas boas dezenas de prefeituras. Atuei nos diversos lados do balcão (não são apenas dois).
Ufa! Confesso. Sim, eu confesso! Nunca vi tanto prefeito fazendo tanta coisa errada em termos de comunicação e no (des)cumprimento do tal Art. 37 da CF e seu § 1º.
A coisa é tão séria, que diversas cadeiras de cursos de pós-graduação gastam um precioso tempo para ensinar o óbvio. Estão erradas as instituições de ensino? Não. Afinal, nossos queridos prefeitos, vices e secretários municipais seguem a cometer crimes por ferirem o princípio da impessoalidade, com mídias incorretas, usando e abusando da promoção pessoal. Como? Listemos algumas ações ilegais:
- Usar recurso para pagamento das mídias, via empresas de propaganda licitadas, em que os mandatários aparecem como personagens e/ou protagonistas;
- Utilizar-se de servidores municipais para a produção de materiais com o prefeito, secretários e outros cargos de confiança. Servidores pagos com dinheiro público;
- Os equipamentos são utilizados para uso particular de promoção de entes públicos, ou seja, para um fim ilícito. Equipamentos comprados com dinheiro público;
- A administração publica em suas redes e marca o prefeito, tentando ludibriar, mas reforçando o descumprimento do princípio da impessoalidade.
Aqui estão apenas quatro, dos muitos exemplos de crimes, por romper com o princípio da impessoalidade no setor público, que vêm sendo sistematicamente praticados pelas administrações, de forma especial prefeituras.
Ferir a impessoalidade é crime e tem consequências
E a coisa é séria, porque tem um tal de § 4º que determina:
“§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
Ou os caras são muito corajosos e seguem a cartilha do “ah! Isso não vai dar em nada”, ou então são desinformados mesmo. Mas é bom lembrar que o desconhecimento da lei não é argumento para a inocência. Fica a dica.
E tem gente que já rodou na história
Como bem disse o ex-senador Jorge Viana:
“Tem uma diferença do mundo privado para o mundo público. No mundo privado você pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. No mundo público, você só pode fazer aquilo que tem uma lei que te autoriza a fazer.”
É comum que gestores municipais pouco conheçam sobre a legislação que devem seguir no exercício do mandato. Assim, procuradores e advogados que os servem são consultados. Não raro, também, há a necessidade da contratação de escritórios na capital de seus estados ou mesmo em Brasília, para atender a determinadas demandas.
Quem muito sofre neste embate entre o que fazer ou não fazer são as agências de propaganda, os assessores de comunicação e consultores prestadores de serviços na área de comunicação e marketing. Quando o desejo de quem governa é superior ao que descreve a lei, o falso dilema entre fazer ou não fazer se estabelece. Falso, notadamente, porque, mesmo incorreto, o mandatário imagina que “nada mais grave poderá ocorrer”. Ledo engano.
Deixando as subjetividades de lado, a análise do Caso Mairiporã, cidade do estado de São Paulo, em que o prefeito recebeu, ao final, pena exemplar do Judiciário, mostra claramente um misto de desinformação e abuso. Desinformação ou informação falsa fartamente utilizada como base da defesa do prefeito, e o abuso, também do prefeito, claramente demonstrado na sentença final proferida.
Segue a série de itens objetivos contrariados pelo prefeito. Nela, fica claro o objeto julgado e os motivos de os atos serem ilegais:
- Os 4 (quatro) vídeos institucionais veiculados não eram essenciais ao ponto de, caso não fossem veiculados, causarem prejuízo ao ente público. Assim, as publicações não se enquadram nas exceções admitidas pela legislação eleitoral;
- As peças divulgam obras, programas e serviços realizados pela Prefeitura, além de exaltar a administração municipal, o que, no período de três meses antes das eleições municipais é vedado por lei, pois desequilibra a isonomia de oportunidades entre os candidatos para o convencimento dos eleitores;
- A gravação foi realizada por funcionário da Prefeitura, contratado de forma comissionada, portanto há caráter institucional no referido material, com consequente comprovação da utilização de recursos públicos para a sua reprodução;
- As gravações foram realizadas no gabinete do prefeito, caracterizando o uso de imóvel público para a realização da propaganda irregular;
- Os vídeos foram divulgados, comprovadamente, na página do YouTube que pertencia à Prefeitura;
- A transmissão dos vídeos por WhastsApp utilizou uma linha de telefonia celular, cuja titularidade era da Prefeitura de Mairiporã;
- Por fim e extremamente grave, os vídeos contêm identificação e imagem do governante, em um nítido rompimento do princípio da impessoalidade.
Impessoalidade e uso da máquina pública
Aqui, tratava-se de período eleitoral, mas isso não é necessário para caracterizar o crime da ruptura com o princípio da impessoalidade. Em qualquer período as ações seriam crimes. O período eleitoral apenas agravou o ilícito.
Em sua decisão final, o juiz manteve as decisões de punição anteriores, com as penas de cassação de registro e a sanção de inelegibilidade do prefeito. Então, vale a pena?
João Henrique Faria é jornalista, estrategista político com experiência em mais de 100 campanhas para o Executivo e Legislativo, professor da pós-graduação em Comunicação Pública e Governamental da PUC-MG, proprietário da Fator Consultoria e cofundador/presidente do Conselho de Fundadores da Associação Alcateia Política. www.alcateiapolitica.com.br
Muito oportuna a referência ao artigo 37.