Os gatilhos mentais são, numa explicação bem simplificada, estímulos velados que conduzem alguém a realizar uma escolha.
Diante da imensa quantidade de decisões que precisam ser tomadas todos os dias, o cérebro não pode ficar “matutando” sobre tudo. Senão, vai explodir… 🤯
Então, algumas rotinas são automatizadas e os gatilhos mentais entram em ação. Por isso que eles são “velados”. São uma espécie de processo em segundo plano. E, diante desses sinais, de forma inconsciente, a pessoa é levada a fazer inferências que vão contribuir na tomada de decisões. É como tomar atalhos e, por consequência, acelerar a chegada.
Gatilhos mentais na prática
Se a pessoa vai comprar um carro, por exemplo, e se depara com sinais de que determinada marca está conectada ao seu modo de pensar, mesmo que isso não esteja explícito na propaganda, as chances de aquela marca ser a escolhida aumentam consideravelmente.
Vamos imaginar uma empresa cujos produtos promovem a sustentabilidade. Além disso, seus consumidores dão testemunho afiançando as qualidades da marca. Só aí foram dois gatilhos mentais – transformação e prova social – que servem de porta de entrada para outras pessoas, impulsionando o consumo.
Tá, mas isso é comportamento do consumidor… o que tem a ver com comportamento do eleitor?!
Bem, os gatilhos mentais podem e devem ser usados na comunicação política e no marketing eleitoral. Afinal, o eleitor é um “consumidor de políticos”… Os políticos estão na vitrine, mostrando suas qualidades, seus projetos, sua visão de futuro. Os gatilhos mentais são, portanto, um “empurrãozinho” para influenciar a decisão de voto!
Alguns gatilhos mentais úteis para campanha eleitoral
-
Conexão
Vocês já viram o filme Vice? A produção conta como Dick Cheney, polêmico vice-presidente americano, tornou-se o cara mais poderoso do mundo. Surpreendentemente mais poderoso até do que o próprio titular do cargo, George W. Bush! Aliás, esse é um filme recomendado para quem trabalha com comunicação governamental e marketing político.
Uma das cenas traz uma metáfora muito interessante. Enquanto pesca com suas filhas pequenas, Cheney explica que, para atrair o peixe, deve-se usar algo que ele aprecia: minhoca.
Simplório, não? Mas veja bem o sentido… Podemos entender que o povo é o peixe e, para atraí-lo, basta oferecer iscas. Em outras palavras, para alcançar as pessoas e obter seu apoio, é necessário dizer o que elas querem ouvir. Não significa mentir, mas sim entender anseios e sentimentos – e conectar-se a eles.
Dessa forma, a campanha de Cheney para o Congresso americano, em 1978, baseou-se num discurso reto e direto, oferecendo minhoca, ou melhor, falando exatamente o que as pessoas queriam ouvir. Alguns argumentos que ele usou:
-
“Washington se afastou do povo.”
-
“Nós acreditamos que há o certo e o errado.”
Com toda a certeza, essas frases de efeito geraram empatia, identificação e alento. Foram respostas precisas para a insatisfação de parte da população, que não aceitava mudanças em curso no governo Jimmy Carter, especialmente em questões ambientais e de direitos civis. Assim, Cheney conquistou sua 1ª de 5 eleições para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.
Já deu pra entender, certo? Estamos falando de conexão. Trocando em miúdos, sintonia mútua de sentimentos. É preciso entender o que o eleitor valoriza e saber quais atributos são importantes – e levar em consideração, com o intuito de criar a estratégia de campanha e os argumentos para pedir e conquistar o voto.
Nesse sentido, de nada adianta disparar propostas a esmo. É melhor saber o que toca o eleitorado.
Leia também: COMO CONQUISTAR VOTOS E VENCER A ELEIÇÃO
-
Transformação
Eleição é época de vender esperança. Primordialmente, convencer a população de que o voto é capaz de mudar a vida para melhor. Portanto, tudo que for produzido, tudo que for falado, tudo que for divulgado… tudo, tudo, tudo!, deve levar em conta essa mensagem de transformação.
A chave é mostrar que existe um futuro melhor, desde que a opção do eleitor seja pela sua candidatura, claro! Venda tudo que você pretende entregar. Quem é candidato a deputado deve apresentar propostas claras e factíveis para atuação no legislativo. No caso de uma candidatura a cargo executivo, tudo precisa ser detalhado num plano de governo robusto. De acordo com o professor Carlos Eduardo Sanches:
O plano de governo deve preparar a possibilidade de construir efetivamente a gestão. Deve conter compromissos viáveis. É, também, uma estratégia para transformar sonhos em realidades. Um bom plano de governo facilita a gestão. É um marco legal que está esculpido na legislação eleitoral. E não se constrói apenas com verbos no infinitivo, mas precisa se revestir de concretude, que começa com diagnóstico. O achismo é o grande adversário da gestão que busca resultados e transformação.
-
Reciprocidade
“Uma mão lava a outra”, já diz aquele velho ditado. Quando alguém te faz uma coisa boa, a tendência é retribuir esse bem na primeira oportunidade. A menos que você seja uma pessoa muito má ou insensível… 😆
Brincadeiras à parte, em campanha eleitoral, o gatilho da reciprocidade visa exatamente construir condições a fim de conseguir essa troca. Você apresenta seu currículo, mostra que já fez muito, conta o que faz agora, projeta o que fará. E faz o eleitor deduzir que, por isso, você merece a confiança do voto.
Obviamente, isso funciona muito em campanha de manutenção (reeleição). É quando o candidato conta que fez a obra tal, que conseguiu tal volume de recursos, que é o responsável por tal lei ou projeto que trouxe benefícios para a população. E que por isso merece continuar no cargo.
Mas mesmo para candidatos de arrancada, os marinheiros de primeira viagem, a reciprocidade é um gatilho fundamental. Quem já tem serviços prestados à comunidade deve mostrar tudo com clareza. De preferência, apresentando histórias de quem o conhece ou já se beneficiou do seu trabalho. O povo aquece a campanha! Vamos falar mais sobre isso no gatilho da prova social.
Em suma, o ato de dar o voto a alguém é a retribuição ao fato de se identificar com o candidato ou ter desfrutado de algum benefício decorrente do trabalho dele.
Ou seja, reciprocidade! Você é parecido comigo, eu confio em você. Você me ajuda, eu te ajudo.
-
Prova social
O gatilho da prova social é uma excelente ferramenta de vendas. Com toda a certeza, você já viu exemplos por aí. Sabe quando você entra num site para comprar algo e lá aparecem depoimentos de pessoas que já adquiriram aquele produto? Pois é, isso ajuda muita gente a se decidir e também comprar. Ou desistir da compra, no caso de depoimentos negativos…
Sob o mesmo ponto de vista, o trabalho e as conquistas de um político devem ser contados a partir da perspectiva do povo. O benefício X que a dona Fulana teve porque o deputado conseguiu a verba Y. A vida do Seo Sicrano que melhorou porque o deputado fez tal projeto. O filho da Beltrana que está na creche construída pelo político e, assim, a mãe pode trabalhar tranquilamente.
Vejam que não se trata de fazer simplesmente um relato de números, verbas, nomes de projetos etc. Isso, aliás, é a coisa mais comum de se ver nos materiais políticos. Mas, em síntese, “cuspir” números e informações frias é desperdiçar boas oportunidades na sua narrativa.
Fundamental é PROPAGAR o que as pessoas ganharam com aquelas realizações.
Vamos pensar juntos sobre o que dá mais credibilidade na hora de convencer alguém a votar num candidato:
- O próprio candidato falando de si mesmo
- Um locutor narrando um belo texto favorável ao candidato
- Pessoas comuns contando histórias que comprovam a atuação do político
Essa é fácil de responder, né? Prova social é o caminho da credibilidade! Afinal, elogio na boca do povo é ouro.
Se a dona Fulana, o seo Sicrano e a Beltrana – gente como a gente – melhoraram de vida por causa da atuação do político, o mesmo pode acontecer comigo se eu votar nele. Já que tanta gente tá sendo favorecida, eu vou escolher esse político, pois também quero estar nesse grupo!
-
Afinidade
O eleitor está lá, cuidando da vida dele, e aí aparece o candidato pedindo voto. O candidato tem imagem e histórico divergentes da realidade do eleitor. Vai angariar confiança? Difícil, né? Já conversamos sobre isso no artigo Como conquistar votos e vencer a eleição:
As pessoas costumam se identificar mais com quem já passou pelos mesmos perrengues. É por isso que a gente vê nas campanhas aquelas narrativas emocionadas de candidato que batalhou para se sustentar, sofreu muito na vida e venceu! Essa é, primordialmente, a história da maioria dos brasileiros.
Tá, mas e quando o candidato não tem a ver com o universo do eleitor? Bom, talvez seja melhor procurar um nicho que possa se identificar melhor com ele. Ou aprender a falar com o público de um jeito que o público entenda, mergulhando na realidade e ofertando respostas aos anseios dele.
Leia também: EMPATIA COM O ELEITOR: COMO GERAR?
-
Autoridade
Entre os gatilhos mentais, o da autoridade manifesta que alguém conhece bem um tema, detém algum tipo de poder ou é muito competente num determinado ofício. Eis alguns quesitos que indicam a autoridade de um político:
- Capacidade de articulação e realização
- Força política
- Entregas palpáveis
- Conhecimento
- Experiência política e de vida
Em suma, pela sua história e por suas realizações, o candidato oferece a garantia de que tem condições de exercer bem a função pretendida e fazer o melhor para o povo. Portanto, é confiável e, por isso, merece o voto.
Há um surrado slogan de campanha de reeleição (já vi numas 200 campanhas… 😜) que define bem isso tudo: “já fez muito e vai fazer muito mais”. Se já fez, nem é preciso pensar muito para concluir que tem autoridade para continuar fazendo.
Ah! O gatilho da autoridade se REFORÇA com o da prova social.
O povo, pelo seu testemunho, mostra que o político tem a capacidade de realizar. Ou seja, tem autoridade para exercer o cargo pretendido.
-
Compromisso e coerência
Gatilhos mentais são uma ferramenta e tanto. Vamos a mais um. Para compreender melhor o gatilho de compromisso e coerência, aí vão algumas questões cruciais para uma autoanálise dos candidatos:
- O que você pretende fazer no mandato?
- Seu passado o posiciona como alguém que faz mesmo?
- E agora, você realmente vai fazer?
- Ou promete apenas para conquistar votos?
Prometer é fácil. Realizar é outra história. Mas muita gente se elege prometendo mundos e fundos. E, quando chega lá, pouco ou nada realiza. O objetivo de se eleger foi conquistado. Mas e a credibilidade? E a confiança para se apresentar nos próximos pleitos?
A decepção gerada no eleitor pode dificultar o exercício do mandato e corroer as possibilidades futuras na carreira do político.
Quando se trata de um candidato a cargo executivo, não é demais recomendar a construção de planos de governo de maneira alinhada à realidade. Por sua vez, no exercício do mandato, a limitação da atuação está sempre condicionada à responsabilidade fiscal. Importante planejar! Não basta intenção, é preciso ter objetivo, saber aonde chegar.
Não dizem por aí que “a verdade vos libertará”? Também se diz que “a mentira tem pernas curtas”… Nesse sentido, vender compromisso e entregar coerência formam um poderoso gatilho para conquistar confiança e votos. E não passar por mentiroso…
-
Urgência
A eleição é em outubro e o que pode haver de urgência nisso? Bem, a questão não é convencer o eleitor a tomar uma decisão exatamente agora, no dia de hoje, a meses da votação. Mas mostrar a ele que “agora” significa “nestas eleições”. Portanto, é urgente decidir agora o futuro que se quer para o país. Ou para seu estado. Afinal, aqueles segundos em frente à urna eletrônica são cruciais para os 4 anos seguintes.
Vale usar desde já no seu site uma contagem regressiva para as eleições. E “botar pilha” no eleitor. É urgente, não dá para esperar mais 4 anos, é preciso decidir agora e decidir o melhor. Se você não votar bem agora, só terá nova oportunidade daqui a 4 anos. E, num mandato executivo ou parlamentar, 4 anos são tempo suficiente para muitos estragos…
-
Inimigo comum
O gatilho do inimigo comum é um dos mais utilizados em campanhas eleitorais e narrativas políticas em geral. Quando um candidato se coloca como alternativa para combater o outro lado, caracterizado como “do mal”, decerto tem mais chances de arregimentar aliados para essa guerra. Caracterizar claramente o inimigo facilita as coisas. Basta ver o ambiente de polarização instalado há mais de duas décadas no Brasil e potencializado nos últimos anos. Mas vamos evitar os exemplos nacionais…
Voltemos ao filme Vice. Diante dos ataques de 11/09/2001, o vice-presidente americano Dick Cheney tomou as rédeas da reação, com a anuência do presidente Bush, e usou a arma da comunicação governamental. Medidas de exceção, como espionagem e tortura, foram vendidas sob o rótulo de “guerra ao terror”. Nesse rebranding, a tortura tornou-se “método avançado de interrogatório”.
Pesquisas qualitativas demonstraram que era necessário guerrear contra um país, não contra uma organização – no caso, a Al Qaeda, algo difuso e sem um rosto definido. O Iraque, então, tornou-se o inimigo comum – e palpável.
O marketing muito bem construído ofereceu as iscas certas e Cheney venceu o desafio de gerar confiança. A aprovação à invasão do Iraque chegou a 53%. E 70% dos americanos acreditaram que Saddam Hussein estava envolvido nos ataques de 11/9. As operações militares foram entregues como uma ação para libertar o povo iraquiano e o mundo, para que as famílias americanas pudessem dormir em paz.
Bem, esse é um exemplo extremo. E temos tido muitos deles…
Contudo, dá pra usar o gatilho do inimigo comum de uma forma menos agressiva. Por exemplo: quando a disputa se dá contra um adversário que não trabalhou bem em mandatos anteriores, o inimigo comum pode ser chamado de incompetência. Ou o inimigo comum pode ser “personificado” num fenômeno natural ou humanitário: seca, enchentes, fome, doenças.
-
Polêmica
Não é de hoje que a polêmica faz parte da narrativa política no Brasil. Desde os anos 80, por exemplo, muita gente se elegeu com a bandeira do “bandido bom é bandido morto”. A verdade é que manifestar opiniões controvertidas faz barulho, atrai a atenção do público e é capaz de arregimentar aliados.
Com o calor da repercussão, a mensagem certamente chega a muito mais pessoas do que chegaria se a abordagem fosse morna ou fria. E gente que nem sabia que você existia passa a se identificar com suas causas e a multiplicar a sua mensagem.
Só tome cuidado com a proporção que isso pode tomar. Você pode arrumar encrenca com a Justiça… Ou, por outro lado, conseguir milhares de seguidores que não votam no seu estado e, desse modo, não serão úteis para o seu projeto eleitoral.
Entendeu como usar os gatilhos mentais em campanha eleitoral?
Então, use e abuse deles na campanha eleitoral, em textos escritos, roteiros de vídeos, no discurso e em todas as peças!
E aproveite para ver outros artigos no blog da Alcateia Política. Separamos mais textos que, com toda a certeza, serão úteis na sua estratégia eleitoral:
- COMUNICAÇÃO DE CAMPANHA: COMO ACERTAR
- O STORYTELLING ELEITORAL E SEUS SEGREDOS
- 10 COISAS PARA NÃO FAZER NO MARKETING ELEITORAL
Zero Martins é jornalista, com pós-graduação em Marketing pela FAE-Curitiba e MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político pelo IDP-Brasília. Atua há mais de 25 anos como redator, roteirista, editor-chefe, produtor e diretor de documentários, com trabalhos para emissoras de televisão, clientes corporativos, campanhas eleitorais e mandatos políticos.
Excelente artigo, com bons exemplos, estrutura didática e objetividade na orientação para captar e manter audiência. Parabéns José Roberto Martins!!
Excelente artigo, análise com profundidade