BETs--AlcateiaPolitica-JoaoHenrique

Sobre política, imagem, redes e sociedade

Fascinada pelas facilidades a ela vendidas, a sociedade – em especial os mais vulneráveis economicamente – termina por ser dominada pelos discursos ainda mais fáceis e que carregam para um abismo ético a política e a comunicação pelas redes, sob a desculpa do livre arbítrio

por João Henrique Faria

Relutei muito antes de decidir escrever este artigo, da forma e com a dimensão que faço. O tema gerou inúmeras facilidades, para também inúmeros articulistas e analistas, seja no campo da comunicação, seja no campo da política. Digo facilidades no sentido da análise técnica pura, baseada em números, e em utilização eficiente de espaços, como as redes sociais, ou mesmo a mesa de debates do Senado, transformada em picadeiro – uma plateia interna eleita e que deveria ser qualificada e se prestar ao centro da discussão, cujo fim é a plateia externa.

Não caberá a este texto a crítica a este(a) ou aquele(a) autor(a), que se colocou na arena do debate e, consequentemente, se expôs à opinião pública. Opinião pode ser contradita, mas não negada. É objeto pessoal e intransferível, feito “convite pra festa chic”. Portanto, um salve para cada um(a) que se aventurou nessa jornada. Claro que isso não significa concordância. E é a partir daqui que começo.

Estamos a serviço da sociedade ou entregues diante do espetáculo?

Em um mundo em que a valorização do ser humano está cada vez mais no campo do ter, em que as avaliações sobre ser “bem sucedido” e “mal sucedido” também seguem a mesma linha, os discursos derivados da sessão da CPI – que deveria discutir os efeitos perversos que as chamadas “bets” estão provocando na sociedade brasileira -, descambaram para os milhões já acumulados pela personagem central e a sua facilidade de dominar um espaço político, com ações de caráter midiático: sorriso no rosto, fala “leve”, foto de filha na camiseta, roupas despojadas, comuns, enfim, uma estética da simplicidade, diante de homens e mulheres do poder.

De outro lado, um senador que teve sua ascensão na política na base do discurso de combate à própria política e que hoje, além do seu mandato, tem um irmão prefeito e outro deputado estadual – de fato, o ex-presidente soube fazer escola -, termina por fortalecer o espetáculo, ao pedir vídeo pra esposa e filhota, fãs que são da influencer. Ele próprio é um.

Por fim, o que deve ficar não são as falas constrangedoras e até mesmo comprometedoras da moça, mas sim os milhares de novos seguidores que diversos personagens da cena, inclusive a senadora que é relatora da CPI, ganharam ao final.

Ao final, o louvor vai para quem conquista tudo pelos algoritmos

Muitos são os casos, em especial em redes como o TikTok, em que adolescentes disputam, em assuntos dos mais banais, como uma suposta paquera ao namorado da amiga, quem consegue mais seguidores. E não são apenas alguns milhares de seguidores, são milhões.

A futilidade tomou conta das redes em diversos aspectos, mas seria também interessante que isso viesse para o campo da política? “Mas João, você está negando o efeito das redes!” Não, não se trata de negar, ao contrário é afirmar: as redes são extremamente poderosas, em especial para as banalidades.

Não é à toa que existiu a banalização ou criminalização da política, como se por si só a política fosse um mal. E dá-lhe cada vez mais pessoas sem a mínima capacidade de se envolver com assuntos sérios, que implicam na maior parte das vezes em definir o destino de toda uma nação, ocupando cargos para os quais são eticamente despreparados.

Tudo bem que é uma necessidade saber fazer uso das redes, de todas ou quase todas as redes. Mas será necessário rebaixar o tom da discussão? Será necessário igualar as baixarias? Será necessário esquecer que milhões de brasileiros, de baixa renda, endividados, desesperados, estão ficando a cada dia mais perto de um ato de loucura, por encontrarem no jogo a saída para seus problemas e, ao final, perceberem que o buraco vai ficando cada vez mais fundo?

Quando os vulneráveis estão em risco, a ação política deve servir de proteção

A frase acima, que serve de intertítulo ao texto geral, passou longe da sessão da comissão do Senado encarregada de discutir as bets. Ao menos nos famosos recortes e nos mais variados artigos publicados, o que se discute é o papel “impecável” da atriz que sobe ao palco da política e deixa à deriva os(as) senhores(as) detentores(as) do poder. Mesmo que ela minta descaradamente, mesmo que ela, já tendo todas as facilidades financeiras, busque mais um caminho para jogar – desculpem o uso da palavra – milhões de brasileiros, por ela influenciados, em um grande circo de horrores.

Em entrevista recente, um ex-jogador de futebol e hoje técnico de um time de massas, declarou: “Quando eu era novo, assistia à Fórmula 1 com meu pai e todos os carros tinham propaganda de cigarro. Hoje não pode mais. Recebi várias ofertas para fazer propaganda de casas de apostas, mas não faço, porque eu sei o dano que é para as pessoas que apostam, o vício, é uma droga, infelizmente. Daqui a 20 anos a gente vai olhar e falar: ‘caramba, todos os times, lugares, anunciavam casas de apostas’. Mas o dano que está fazendo para tantas pessoas, a gente não tem a real noção do que está acontecendo”.

Mas os senhores e senhoras senadores(as) têm. Os bilhões gastos no jogo propiciado pelas bets e que vêm de bolsos já minguados, já sem ter de onde tirar. O que começa como “possível saída”, rapidamente transforma-se, sob o olhar passivo e, portanto, conivente, das autoridades, em desastre total. Uma sociedade cada vez mais corroída, cada vez mais fragmentada e sem rumo.

Um conceito muito simples, mas que cai como uma luva

“Ética é a obediência ao que não é obrigatório.”

Caramba, olha o técnico do time de massas aí! Quando ouvi isso, vindo de um jornalista, fiquei impressionado. Da mesma forma, quando ouvi, de um futuro político, em um “diamante”, que empatia não é se colocar no lugar do outro, porque ninguém consegue isso. Segundo o hoje deputado federal, “empatia é se colocar ao lado do outro”. Simples e correto.

Para as redes e aqueles que fazem uso delas pelos cliques, se não é obrigatório, eu posso fazer, posso escrever, posso publicar, posso lucrar. Talvez, se fôssemos traduzir este tão simples conceito, cairíamos no campo da moral, ou seja, não importa se tal coisa não é ilegal, o que importa são os efeitos que isso irá provocar e a quem isso vai atingir.

Uma vez que ética é um somatório de moral, costumes, hábitos, normas, leis… ética é sim, da forma mais pura, “a obediência ao que não é obrigatório”. Não só por não haver uma regra ou uma lei, isso importa em eu poder fazer uso deste ou daquele instrumento que prejudica outrem.

Um outro conceito, que sempre gostei de usar na disciplina “Legislação e Ética em Jornalismo”, nos anos em que fui professor de graduação, foi elaborado por mim, com base no somatório de alguns outros conceitos: “Ética são os costumes (moral por hábitos/usos) e leis (normas/regras) existentes em uma determinada sociedade, em um determinado tempo/período histórico.”

Isso me lembra um material que vi, outro dia. Alguém falando dos filmes que viu recentemente e que o impactaram. O primeiro filme citado era sobre uma pessoa que é colocada em sono e que acorda 500 anos depois. E, pasmem, nesta sociedade em que esta pessoa de inteligência média acorda, ela é a mais inteligente, porque trata-se de uma sociedade totalmente emburrecida. Ele, mediano, é o mais inteligente dos seres da face da terra.

Qualquer semelhança com aquilo que vivemos do ponto de vista da política no cenário mundial, não é mera coincidência.

P.S.: Vocês, leitores atentos que são, devem ter observado que, seja nos exemplos ruins ou nos bons, ao citar alguém, contrariei todas as regras do jornalismo e não apontei seus nomes. Digamos que seja um joguinho. Mas duvido que vocês não saibam quem são os personagens deste texto, pelo menos em sua grande maioria.

Foto de João Henrique Faria

João Henrique Faria

João Henrique Faria é Mineiro. Cataguasense. Consultor Político. Estrategista. Jornalista. Professor Universitário. Proprietário da Fator Inteligência e Marketing, empresa há 21 anos no mercado, especializada em Marketing Político Eleitoral e Governamental. Foi Estrategista e/ou Coordenador em mais de 100 campanhas eleitorais para o Executivo e Legislativo. Trabalhou por 11 anos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. É cofundador da Alcateia Política. Membro do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político). Professor universitário desde 1991, coordenou o primeiro curso de pós-graduação em Marketing Político do Brasil, na Escola do Legislativo da ALMG. Hoje está à frente da disciplina “Comunicação e Marketing Político - Eleitoral e Governamental”, na pós-graduação em Comunicação Pública e Governamental da PUC Minas e coordena consultorias para prefeituras e câmaras municipais no campo do Diagnóstico Organizacional, Plaejamento e Comunicação e Marketing.

Últimas Publicações